terça-feira, 6 de março de 2012

POR LORENA CALABRIA - JORNALISTA/BLOGUEIRA

NA CAMA COM MORRISSEY

 
Ele está –  de novo – entre nós. Morrissey, ex-integrante da banda de rock mais importante dos anos 80, The Smiths, se apresenta pela segunda vez no Brasil. A primeira foi há doze anos. A nova turnê começa nesta quarta-feira (7) em Belo Horizonte, segue para o Rio de Janeiro na sexta (9) e se encerra em São Paulo no domingo (11).
“O maior inglês vivo”, segundo o jornal britânico The Guardian. “Ele alcançou em vida o status que alguns só conseguem ao morrer”, saiu no The Independent.
Morrissey, para muitos, é Deus. Mas pode ser apenas o cara que mostrou a uma garota, recém-entrada na vida adulta, que ela ainda estava em débito com sua adolescência – eu.

Antes de falar do meu encontro com Deus, digo, Morrissey, um detalhe que fará diferença.
1984, Rio de janeiro. Qualquer pessoa que se interessava minimamente por novidades musicais já tinha ouvido falar dos Smiths. Eu disse falar, porque ouvir já eram outros quinhentos. E bota quinhentos nisso. Pra ter um disco da banda, só mesmo importado. E não bastava só ter a grana pra pagar. Era preciso descolar algum conhecido que pudesse trazer o disco do exterior. Nessa época, comissário de bordo, acredite, era uma profissão invejável.
Depois de longa espera, calhava de um amigo do amigo conseguir com o primo de uma vizinha a chance de botar as mãos na mercadoria.
Situação que fazia qualquer um se sentir o dono da última bolacha do pacote.  No caso, bolacha não é biscoito – era o apelido dado ao disco de vinil.
Atrás da bolacha, aparecia uma fila de amigos e chegados. Até regras eram estipuladas para o empréstimo: a cada 4 ou 5 dias, o tal disco mudava de casa.
E, assim, o primeiro LP da banda mais incensada da década chegou a minha residência. Passei 5 dias ouvindo SMITHS direto, trancada no quarto, sem contato com qualquer pessoa, sem abrir os olhos, na cama.

Eu era assim, tão intensa? Um ser recluso e descrente da humanidade? Que nada. Tudo isso se deu por um motivo tosco, um surto típico do verão carioca: conjuntivite crônica. Não um tipo qualquer. Esse era de deixar a vítima literalmente às escuras, sem poder abrir os olhos de tanto inchaço nas pálpebras. Pense num sapo… pois é!
O melhor que podia me acontecer nessa situação de clausura involuntária era ouvir o disco dos Smiths. E eu tinha 5 dias só pra isso. De olhos fechados, o estrago é maior. Aquelas palavras foram rasgando, ferindo, até virar cicatriz.
“Você pode me alfinetar e me emoldurar como uma borboleta/ Mas me leve ao paraíso da sua cama”
– Reel Around The Fountain

“Eu já vi você sorrir, mas nunca vi você sorrir de verdade. Então quem é o rico, quem é o pobre”
–  Yoy’ve Got Everything Now

“O amor é só uma mentira miserável”
– Miserable Lie

Amparado pela guitarra única de Johnny Marr, lá vinha o Morrissey, munido de crueldade e deboche. Era como um irmão mais velho. Vai te bater, machucar e depois, pedir perdão. Jamais vai te poupar. O que você sabe, sua fedelha metida a adulta, sobre a miséria humana? E tome frustração, desprezo, raiva. Tudo aquilo que eu tinha varrido pra debaixo do tapete durante os anos que escapei da dor, rodopiando ao som da disco.
Eu tinha 20 anos e minha carga de sofrimento se resumia a um núcleo familiar em ruínas e a primeira desilusão amorosa. Agora, parece pouco. Na época, pensa, só “o céu sabia o quão miserável eu era” – como Morrissey me diria um pouco depois.

A banda The Smiths durou até 87.  Minha “devoção” a Morrissey foi mais longe.  Sigo sua carreira solo e torço pra ele não baixar a guarda. É, ele também ficou mais cínico.
“Não desenterre meus erros / Eu sei exatamente quais são eles”
– Why Don’t You Find Out for Yourself

“Eu te daria meu coração, se eu tivesse um”
– To Me You Are A Work Of Art

“Desculpas não vão nos salvar / Desculpas não vão trazer minha adolescência de volta”
– Sorry Doesn’t Help

No show neste domingo, é provável que eu feche os olhos em certos momentos. Viajando? Não. É saudade daquela conjuntivite.

Durante essa semana, vou falar mais do Moz e do universo que o envolve. E por que esse apelidinho, Moz? Ora, pouco importa. O cara tem um universo em torno dele! Sentiu?

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