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Temer (ao microfone) nos tempos do governo Montoro (ao centro), seu padrinho político
Considerado discreto e hábil negociador, o advogado e professor de direito Michel Miguel Elias Temer Lulia (PMDB), 75, chega à Presidência da República, o maior desafio de sua trajetória, de forma interina, com uma larga experiência política e algumas
suspeitas. Em 2016, com a fama de gostar do que faz, ele completa 35 anos de política partidária –sua militância começou, porém, há mais de 50 anos.
O presidente interino, nascido em 1940 na cidade de Tietê (a 143 km a noroeste da capital paulista), filiou-se ao PMDB em 1981, época em que o partido liderava a oposição à ditadura e Franco Montoro era senador e o principal líder da legenda em
São Paulo. Temer é o segundo pupilo de Montoro a chegar à Presidência da República –o primeiro foi Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Eleito governador de São Paulo em 1982, Montoro nomeou Temer como procurador-geral do Estado e depois como secretário da Segurança Pública. A atuação no governo do padrinho político serviu de trampolim para Temer arriscar-se em sua primeira candidatura. Lançou-se candidato a deputado federal em 1986 e conseguiu se eleger para participar da Assembleia Constituinte.
Como a cidade natal de Temer avalia o presidente interino?
Democracia cristã
A ligação com Montoro remontava à década de 1960, quando este era um dos líderes do PDC (Partido Democrata Cristão). "Ele [Montoro] fazia um grupo de estudos. E eu trabalhei muito nas teses da democracia cristã, liderado pelo Montoro", afirmou Temer em entrevista publicada em seu canal no YouTube em 2014. Temer e Montoro, que era católico, também conviveram como professores na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
Morto em 1999, Montoro era tido como político preocupado com o social, apesar de não ser socialista. Foi importante opositor da ditadura e artífice da campanha de redemocratização do país na década de 1980. Deixou o PMDB em 1988 para fundar o PSDB, partido com o qual Temer e os peemedebistas mantêm laços.
A linha do Michel é a da Constituição, que é neoliberal. Ela prestigia o capital, mas tem um número grande de cláusulas sociais
Adilson Dallari, advogado e professor
"A linha do Michel é a da Constituição. Nossa Constituição é neoliberal. Ela prestigia o capital, a liberdade de iniciativa, mas ao mesmo tempo tem um número grande de cláusulas de caráter social", afirma o advogado e professor Adilson Dallari, amigo de longa data de Temer.
Amigos destacam lealdade
O peemedebista construiu uma carreira política procurando se afastar dos holofotes, das polêmicas e dos conflitos. "Ele é modesto e não é exibido. Um dia me disse a seguinte frase: não tenho a mínima vocação para carro alegórico. Ele é de grande sobriedade", diz o também advogado e professor Celso Antônio Bandeira de Mello, outro antigo amigo do presidente interino.
Chamado de golpista por apoiadores da presidente afastada Dilma Rousseff (PT), Temer goza de um conceito completamente diferente entre muitos que conviveram com ele ao longo de sua vida.
A Dilma não poderia ter um vice mais leal do que Temer. Mas ele foi hostilizado, desprezado e humilhado
Luiz Antônio Fleury Filho, ex-governador de São Paulo
"A Dilma não poderia ter um vice mais leal do que ele, mas nem a pessoa mais leal do mundo resiste ao desaforo contínuo. Michel é um homem extremamente leal e posso garantir [isso] porque foi meu secretário. Ele foi obrigado a tomar as posições que tomou porque foi completamente hostilizado, desprezado e humilhado até. Ele é um homem que tem muita dignidade", argumenta o ex-governador de São Paulo Luiz Antônio Fleury Filho (PMDB).
Marcio Arruda/Folhapress
Fleury foi para PTB em 1995, mas voltou ao PMDB em 2011 a convite do amigo Temer
Fleury é especialmente grato a Temer por este ter assumido a Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo logo após o massacre do Carandiru, em 1992, quando 111 detentos foram assassinados pela Polícia Militar. Foi o pior momento do governo Fleury.
"Uma característica marcante no Michel é o equilíbrio que ele tem em momentos de crise. Tem uma capacidade de controle pessoal que é invejável. Quando ocorreu o episódio do Carandiru, ele não titubeou. Aceitou na mesma hora. Fiquei muito grato porque era um momento difícil." De acordo com Fleury, o principal mérito de Temer na ocasião foi pacificar o ambiente dentro das polícias Militar e Civil de São Paulo.
Mesmo divergindo politicamente de Temer e se opondo ao impeachment, Bandeira de Mello também aponta a lealdade com uma das qualidades do amigo. "É uma pessoa extremante digna e leal, um homem muito equilibrado, muito sereno."
Advogado conciliador
Filho de imigrantes libaneses, Temer seguiu os passos de três de seus sete irmãos e se mudou para São Paulo aos 16 anos para estudar e entrar na carreira de Direito. Na Faculdade de Direito do largo São Francisco, vinculada à USP (Universidade de São Paulo), envolveu-se com a política estudantil.
Pertencia, na instituição, ao Partido Independente. Tratava-se, segundo Adilson Dallari, de um grupo de centro-esquerda que se opôs à ditadura implantada em 1964.
Depois de concluir o curso, Temer foi oficial de gabinete de Ataliba Nogueira, então secretário estadual de Educação no governo Adhemar de Barros.
Entre o fim da década de 1960 e os anos 1970, o presidente interino montou um escritório de advocacia com Geraldo Ataliba, Celso Antônio Bandeira de Mello e Celso Bastos.
Celso Bandeira de Mello e Adilson Dallari, que também trabalhou no escritório, dizem que Temer era o melhor advogado do grupo. Para Bandeira Mello, Temer levava vantagem por escrever bem e fazer petições objetivas. "Ele sempre ganhava [as causas]."
O Michel tem uma vocação para conciliar interesses. Ele nunca diz não. O cara é genial para fazer acordo. Todo mundo saía satisfeito
Adilson Dallari, sócio de Temer em escritório de advocacia
Temer trabalhava mais com questões cíveis, especialmente com litígios sobre contratos. Segundo Dallari, as qualidades de hábil negociador já apareceram neste momento.
"O Michel tem uma vocação para conciliar interesses. Ele nunca diz "não". Mesmo que você tenha uma opinião contrária à dele, ele vai dizer "bom, olha, seu argumento é ponderável, mas quem sabe você não acha isso". Enfim, o cara é genial para fazer acordo. No escritório, isso funcionou que era uma beleza. Todo mundo saía satisfeito".
Presidente da Câmara e do PMDB
Além do apoio de Montoro na década de 1980, o reconhecimento como constitucionalista e a capacidade para negociar impulsionaram sua carreira política. Depois de participar da Assembleia Constituinte, emendou cinco mandatos como deputado federal.
No começo da década de 1990, voltou por alguns anos a São Paulo para ser novamente procurador-geral do Estado e secretário da Segurança durante o mandato de Luiz Antônio Fleury.
O bom trânsito nos bastidores da política levou-o a se eleger presidente da Câmara. Ao longo dos dois primeiros mandatos, de 1997 a 2001, chegou a assumir a Presidência do país interinamente por seis dias. Na época, o PMDB apoiava o governo Fernando Henrique Cardoso.
Jefferson Rudy/Folhapress
O então deputado federal em seu primeiro ano como presidente da Câmara
Temer assumiu a presidência nacional do partido em 2001, consolidando sua projeção no país, sua fama de negociador e deixando para trás o ex-governador Orestes Quércia, antigo líder da legenda em São Paulo.
Ao longo do primeiro do mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, o PMDB voltou ao governo. Em 2009, Temer foi novamente eleito presidente da Câmara. Como deputado, conseguiu aprovar projetos de lei como o de combate ao crime organizado, o de criação de juizados especiais e os que ajudaram a formar o Código de Defesa do Consumidor.
Se Dilma carrega a fama de ter aversão a políticos, Temer é o oposto. Ele adora essa vida
Se Dilma carrega a fama de ter aversão a políticos, Temer é o oposto. "Algumas vezes eu estive lá na Câmara quando ele [Temer] era presidente da Casa. Eu ficava horrorizado. O ambiente político ali parecia um ninho de escorpião. Era uma coisa danada, aquela vida infernal, você tem que tomar cuidado o tempo todo, e ele tinha que consertar tudo. Perguntei a ele: como você aguenta isso? Ele dizia: eu gosto, eu gosto", conta Adilson Dallari.
Aliança e crise com o PT
Em 2010, PT e PMDB fecharam acordo para a eleição presidencial e lançaram a chapa Dilma Rousseff e Michel Temer. O peemedebista licenciou-se da presidência do partido e assumiu a vice-presidência do país.
Marcelo Sayao/EFE
Dilma, Michel Temer e sua mulher, Marcela, na posse do segundo mandato, em 2015
Apesar da fria relação entre Dilma e Temer, PT e PMDB mantiveram a chapa e conseguiram a reeleição em 2014. Na crise política de 2015, a presidente recorreu ao vice no meio do ano e o alçou à condição de articulador político do governo. A experiência durou pouco tempo.
"Foi um período muito tenso porque ele exerceu plenamente a função de articulador do ponto de vista de acerto com as bases partidárias, em relação a posições, a cargos. Mas o que se acertava [com Temer] se desacertava no entorno da Dilma. Alguns acordos efetuados não foram cumpridos pelo PT. Michel Temer pediu para se afastar do cargo de articulador. Sentiu que estava sendo sabotado", diz o marqueteiro e consultor político Gaudêncio Torquato, amigo do presidente interino.
Michel foi muito paciente com a Dilma. Infelizmente para ela, ele foi extremamente sabotado pelo PT
Luiz Antônio Fleury Filho
"Michel foi muito paciente com a Dilma. Infelizmente para ela, ele foi extremamente sabotado pelo PT. Ela desperdiçou o melhor articulador político que ela tinha à mão e disposto a ajudá-la. E aí chegamos no ponto que nós chegamos", diz Fleury, que aponta o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, como o principal obstáculo à relação PT-PMDB. "Ele [Mercadante] azedou tudo."
Insatisfeito com o tratamento que recebia da presidente, Temer não evitou que o PMDB decidisse por sair do governo no começo de 2016 e por apoiar, na Câmara e no Senado, o impeachment de Dilma.
"Temer tem influência grande no partido, mas não liderou essa movimentação. Tem alguns líderes do partido que tomaram essa posição. Ele percebeu que a maioria era por esse afastamento. Então simplesmente endossou as posições encaminhadas por seus correligionários", comenta Torquato sobre a saída do PMDB do governo.
O Michel engoliu muito sapo. Para mandar aquela carta, é que o sapo já não descia mais. Então teve que vomitar aquela carta
Luiz Antônio Fleury Filho
Segundo Torquato, o episódio que selou o rompimento definitivo entre Temer e Dilma foi
a divulgação da carta escrita pelo então vice à petista em 7 de dezembro, logo depois do acolhimento do pedido de impeachment pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Na carta, Temer reclamava de ser um vice decorativo e da tentativa de governo de dividir o PMDB. Também se queixava que a presidente e seu entorno desconfiavam dos peemedebistas, incluindo ele próprio.
Reprodução/Folha de S.Paulo
Satisfação no dia da votação do impeachment de Dilma na Câmara dos Deputados
"O Michel se colocou à disposição e engoliu muito sapo. Para fazer um desabafo daquele, mandar aquela carta que foi tão criticada, é que o sapo já não descia mais. Ele precisava achar espaço no estômago para mais sapo. Então teve que vomitar aquela carta", diz Fleury.
Tornado público, o texto agravou a crise política no governo. O grupo de Temer alega que a carta tinha caráter pessoal e não deveria ser divulgada.
Nem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi capaz de reverter o quadro e atrair de volta o apoio do PMDB.
Suspeitas e condenação
Temer não chega à Presidência livre de suspeitas e ameaças. Delatores da operação Lava Jato apontaram supostas relações do peemedebista com envolvidos no esquema de corrupção na Petrobras. Ele alega inocência e permanece fora da lista de investigados na operação.
Outra suspeita foi levantada em uma mensagem que indica que Temer teria recebido R$ 5 milhões da construtora OAS. Ele diz que o dinheiro foi uma doação legal de campanha.
Na operação Castelo de Areia, que investigou a Camargo Corrêa, a Polícia Federal encontrou documentos que citam 21 vezes o nome de Temer ao lado de quantias que somam US$ 345 mil. A operação foi anulada pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) e, na época, Temer negou irregularidades.
O peemedebista já foi citado em investigações sobre o porto de Santos, considerado sua área de influência, e também negou irregularidades à época.
Na semana passada, ele foi condenado pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de São Paulo por fazer doações de campanha acima do limite permitido por lei, o que deve torná-lo "ficha-suja" para a Justiça Eleitoral. Temer admite o fato, mas diz que foi apenas "erro de cálculo" --ele ainda pode recorrer da decisão no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Ele também é alvo de um pedido de impeachment por ter assinado decretos de verba suplementar em 2015, uma acusação também feita no processo contra Dilma.
Além disso, Dilma e Temer são alvos, no TSE, de processos que pedem a cassação da chapa de ambos, o que poderia levar a uma nova eleição. Ele informou que "todas as doações a sua campanha de 2014 estão de acordo com a legislação eleitoral e foram apresentadas ao TSE e aprovadas".
* Colaborou Mirthyani Bezerra
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Saiba onde estava Temer nos principais momentos da política recente18 fotos
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O vice-presidente Michel Temer não chegou a esse cargo do nada. Com quase 50 anos de carreira, o peemedebista sempre circulou entre nomes importantes da política nacional, como mostra a imagem acima: (à esquerda) em 1985, como secretário de segurança de São Paulo ao lado de (esq. para dir.) Mário Covas (prefeito de São Paulo), Fernando Henrique Cardoso (senador) e do governador Franco Montoro; e em 2015, já como vice-presidente, entre o ministro da Defesa, Jaques Wagner, e a presidente Dilma Rousseff. Veja onde Temer estava em outros momentos marcantes dos últimos 30 anos Imagem: Alan Marques/Folhapress