O triplex dos nossos meritíssimos
- Rogerio Waldrigues Galindo
Texto publicado na edição impressa de 17 de fevereiro de 2016
Está na moda falar de triplex. Pois os juízes e desembargadores construíram o seu. O teto da categoria é de mais ou menos R$ 30 mil. Em dezembro, ergueram dois andares acima disso e ainda botaram em cima um pequeno sótão. Chegaram a coisa de R$ 100 mil. Os integrantes do Ministério Público tiveram empreiteira mais competente: em janeiro, chegaram a um edifício de dez andares, como revela reportagem de Chico Marés e Euclides Lucas Garcia nesta Gazeta do Povo.
Para tudo há uma explicação. Claro que duplicar o teto em dezembro, por exemplo, é compreensível por causa do décimo terceiro. Para o resto, os motivos são os mais variados. Auxílios, abonos, gratificações, indenizações em geral, licenças vencidas, férias que não houve. Os nomes são diferentes, o resultado é sempre o mesmo: dinheiro que sai do nosso bolso e vai para o deles.
Estamos na época da Quaresma. Dizem que há muito tempo, monges que não podiam comer carne neste período resolveram o problema chamando o bife de alface. Pode não ser verdade, mas é típico da natureza humana: resolver problemas reais com truques de linguagem. Bill Clinton jura que aquilo que ele fez com Monica Lewinsky debaixo da mesa oval não era sexo. O governo estadual não aumentou impostos: fez uma equiparação de alíquotas.
O idioma, assim como os números, está aí para ser torturado até que diga o que nos interessa. O teto está lá, firme, como se acima dele nada houvesse. E o que passa não é salário, visto que isso seria proibido. O auxílio-moradia, que compõe uma parcela dessa esquisitice toda em que se transformou o pagamento do Judiciário – e do Ministério Público – não requer que o sujeito prove que precisa de casa, nem que gasta o dinheiro com moradia. Sejamos claros: é salário, chamado de alface.
Fica tudo dentro da legalidade, claro. O que se questiona é a moralidade e também os efeitos desse tipo de coisa. Os danos causados não se restringem a esvaziar os cofres públicos, embora esse seja o problema mais visível.
Falta dinheiro no país para combater mosquito, mas sobra para auxílio-moradia de quem mora em mansão. Espera-se meses na fila por um médico especialista, mas os meritíssimos engordam suas contas com o mesmo dinheiro que poderia solucionar o problema.
Há outros efeitos tão ou mais deletérios. Um deles é que juízes que ganham cada vez mais dinheiro simplesmente ficam deslocados da realidade das coisas que precisam julgar. Prende-se um fulano por roubar uma lata de margarina porque passava fome – e não são poucos os casos em que isso acontece.
Mas há mais: quem apela para todo tipo de chicana para ter um a mais no fim do mês pode muito bem perder, ao longo do tempo, o senso de justiça, que deve ser exatamente a base do trabalho do Judiciário e do Ministério Público. Afinal, mais do que a lei, ou pelo menos tanto quanto, o que se deve levar em consideração é a justiça de um ato. E não parece que, ao aceitarem benesses que seriam indizíveis sob seu verdadeiro nome, os integrantes do nosso sistema judicial estejam indo num bom caminho. Muito pelo contrário.
Para tudo há uma explicação. Claro que duplicar o teto em dezembro, por exemplo, é compreensível por causa do décimo terceiro. Para o resto, os motivos são os mais variados. Auxílios, abonos, gratificações, indenizações em geral, licenças vencidas, férias que não houve. Os nomes são diferentes, o resultado é sempre o mesmo: dinheiro que sai do nosso bolso e vai para o deles.
O idioma, assim como os números, está aí para ser torturado até que diga o que nos interessa. O teto está lá, firme, como se acima dele nada houvesse. E o que passa não é salário, visto que isso seria proibido. O auxílio-moradia, que compõe uma parcela dessa esquisitice toda em que se transformou o pagamento do Judiciário – e do Ministério Público – não requer que o sujeito prove que precisa de casa, nem que gasta o dinheiro com moradia. Sejamos claros: é salário, chamado de alface.
Fica tudo dentro da legalidade, claro. O que se questiona é a moralidade e também os efeitos desse tipo de coisa. Os danos causados não se restringem a esvaziar os cofres públicos, embora esse seja o problema mais visível.
Falta dinheiro no país para combater mosquito, mas sobra para auxílio-moradia de quem mora em mansão. Espera-se meses na fila por um médico especialista, mas os meritíssimos engordam suas contas com o mesmo dinheiro que poderia solucionar o problema.
Mas há mais: quem apela para todo tipo de chicana para ter um a mais no fim do mês pode muito bem perder, ao longo do tempo, o senso de justiça, que deve ser exatamente a base do trabalho do Judiciário e do Ministério Público. Afinal, mais do que a lei, ou pelo menos tanto quanto, o que se deve levar em consideração é a justiça de um ato. E não parece que, ao aceitarem benesses que seriam indizíveis sob seu verdadeiro nome, os integrantes do nosso sistema judicial estejam indo num bom caminho. Muito pelo contrário.
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