domingo, 27 de outubro de 2013

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Bando da Leitura: lugar de sonhos e fantasias

Gisele Wardani Fale com o repórter
Publicado em: 27/10/2013 - 00:00 | Atualizado em: 25/10/2013 - 19:03

Rodrigo Covolan
Lucélia Clarindo transformou sua casa em biblioteca aberta, para todas as idades e ‘palco’ para contação de histórias
 

Lucélia Clarindo hoje é professora aposentada, mas isso não quer dizer que ela deixou seus sonhos para lá. Pelo contrário, o mesmo foco que ela manteve em sala de aula, por 32 anos, de instigar a imaginação e despertar o gosto pela leitura, ainda desenvolve hoje, no espaço de sua casa já (re) conhecido como Bando da Leitura. O espaço foi premiado pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) como um dos 514 espaços alternativos de leitura no Brasil, e entre nove no Paraná. O sonho começou a ganhar forma em março de 2007, quando ela sentiu o interesse das crianças em realizarem encontros de leitura. “Começaram três meninas, depois já eram quatro, logo eram sete e hoje recebemos semanalmente vários grupos de cerca de 30 pessoas, entre crianças, adolescentes e adultos”, conta. A quarta-feira é o dia de visita no Bando, das 9 às 11 horas, e das 14 às 16 horas. “Recebemos turmas de escolas e também grupos particulares, enfim, o espaço é aberto, e se não for quarta-feira basta agendar antes que estamos atendendo”, confirma.
Nos encontros Lucélia lê e conta histórias, desenvolve dinâmicas de leitura e atividades livres com tintas e materiais recicláveis. Hoje o acervo do Bando é de três mil obras, sempre renovado. “Temos várias ações de distribuição de livros também”, destaca. São livros para todas as idades, desde títulos de auto-ajuda, muito procurado pelas mães, livros de literatura brasileira, clássicos, como Machado de Assis, enciclopédias, obras que tratam de ecologia, e outros. “Tem para todos os gostos”, destaca. Além desse projeto, Lucélia continua desenvolvendo palestras e atividades de incentivo à leitura nas escolas e instituições. “Parei de trabalhar para promover a leitura e o Bando eu ganhei de presente”, revela.
Somente no ano passado mais de 3,2 mil pessoas visitaram o bando da Leitura. “Aqui as crianças não faltam, elas fazem falta”, destaca. Em suas palestras, ela trata sobre como formar uma escola de leitores. “Na maioria das vezes a escola é o único centro cultural e educativo que a criança frequenta, e é importante que todos os espaços, não só a biblioteca, mas também a quadra esportiva, os corredores, o salão, tenham material que instigue a leitura, envolvendo também funcionários nessa questão, e há atividades dinâmicas que podem ser desenvolvidas, inclusive, envolvendo os pais”, explica.
A tecnologia vem em favor do foco de Lucélia. “Hoje a internet e os instrumentos de tecnologia como celular e tablets também incentivam a leitura, pois muitas poesias e livros podem ser baixados, e os pais devem aproveitar isso, e promover em casa encontros de leitura, e em casa, além da tevê de 50 polegadas é importante ter livros e mais ainda, que as crianças sintam o interesse dos pais pela leitura, para que isso se torne um hábito de vida”, completa.
Estoque chega a 35 mil obras em livrarias
A gerente da Livrarias Curitiba, Carla Schüller, conta que os leitores estão cada vez mais assíduos. “E o público que mais cresce é o infanto-juvenil, cerca de 20% do total, e as mulheres, mas em geral todos os públicos comparecem”, destaca. Com um estoque de mais de 35 mil livros, a livraria tem como foco lançamentos de autores regionais. “Hoje temos cerca de 20 obras de autores regionais à venda, e priorizamos cerca de dois lançamentos por mês, e estamos investindo na região de Ponta Grossa e em novembro estaremos expandindo a loja em mais 260 metros quadrados”, destaca.
Os preços variam de R$ 2,90, que são livros em promoção, até coleções de R$ 600, que são de livros técnicos. Há um ano que a livraria se instalou em Ponta Grossa, já registrou 86,7 mil clientes atendidos e somente no último trimestre mais de 20,7 mil clientes. “Este número é sazonal, e ainda não contabilizamos o número de pessoas que gostam do ambiente da livraria, descontraído, onde as pessoas podem pegar o livro à vontade e folhear sem pressa”, define. Entre os mais vendidos estão ‘Como fazer amigos e influenciar pessoas’, ‘O monge e o executivo’, que trata de liderança e é muito lido nas escolas de Administração, além do romance ‘A culpa é das estrelas’, ‘Diário de uma garota nada popular’, ‘Cidade dos ossos’ e ’50 tons de cinza’.

Sebos: alternativo e barato
E os verdadeiros amantes da leitura, não renegam uma visita semanal a um sebo. Em Ponta Grossa, o Sebo Espaço Cultural tem mais de 10 anos e duas lojas. De acordo com Tatiane de Fátima Beliatto, uma das proprietárias, na estante virtual, que é um site de sebos do Brasil, a loja oferece mais de 11,8 mil livros à venda. “Isso corresponde a cerca de 20% do que temos à venda, e não conseguimos levantar um número exato, pois a movimentação é muito grande de trocas e vendas”, calcula. Mais de 500 pessoas passam pelas duas lojas diariamente. “o tempo inteiro é gente vendendo, trocando e comprando, alguns lotes são muito grandes, e a maior parte é de livros, mas temos revistas, gibis e também CD’s e discos”, destaca.
Os preços variam de R$ 0,50 os livros infantis com histórias curtas, até as coleções que chegam a R$ 500. Entre os mais vendidos estão as trilogias, os contos vampirescos, as obras de Nicolas Sparks, que está no auge entre os leitores, e ainda entre o público adolescente ‘A menina que roubava livros’ e a série ‘Diário Otário’. “Cada público tem suas preferências, e o sistema de trocas incentiva muito as aquisições, pois a principal reclamação entre os consumidores é o valor dos livros novos, encarecidos pelos impostos”. Segundo ela, o livro usado chega a custar menos da metade do preço do novo. “Enquanto os novos custam R$ 30, usados chegam a R$ 5 ou R$ 10”. Os 50 tons de Cinza, que também estão bem procurados, novos custam em média R$ 40, e usados saem por apenas R$ 25.
“Há um desejo pela literatura que nunca existiu”
O escritor e doutor em Letras pela Universidade de Campinas (Unicamp), Miguel Sanches Neto, avalia que o momento é de comemoração. “Vivemos um momento de interesse pela literatura, há um desejo que nunca existiu antes, em conhecer escritores brasileiros e temos que comemorar a construção de bibliotecas públicas, os programas governamentais de compra de livros, a democratização do ensino, que coloca no horizonte de recepção uma figura essencial, o neoleitor, aquele que pode pela primeira vez, na sua família, ler um livro. Acho que estamos num momento de transição muito importante, apesar de todas as dificuldades de criar uma cultura letrada”, comenta.
Apesar das dificuldades, os tempos já foram piores. “Na minha geração não se cogitava ser escritor em tempo integral e hoje é comum jovens escritores que só vivem para a literatura, pois há um mercado mínimo”, define. Para ele, a tecnologia cria outras formas de leitura. “E o desafio é continuar produzindo literatura nesses novos espaços e nessas novas formas relacionais, e os livros tendem a deixar de ser a linguagem de um grupo culturalmente privilegiado para ser algo comum a todos, e isso é muito saudável”, confirma.

Produção local é ampla
Luís Fernando Cheres é um dos fundadores da Academia de Letras dos Campos Gerais e avalia a produção literária de Ponta Grossa como ampla, porém de qualidade discutível. “Ao longo dos anos, inúmeros foram os livros publicados em Ponta Grossa, ou por autores ponta-grossenses. Muitos são excelentes, outros nem tanto. Mas essa diferença de qualidade não representa necessariamente algo ruim, ou que possa nos envergonhar: na verdade o mesmo ocorre em qualquer parte do mundo. O importante é que temos livros de ótima qualidade escritos por ponta-grossenses”, define.
Inúmeras são as obras de autores ponta-grossenses que marcaram época. “Infelizmente não há um livro que trate da história completa de nossa literatura. Entre eles Miguel Sanches Neto, autor de livros maravilhosos como os romances Um Amor Anarquista, Chá das Cinco com o Vampiro e A Máquina de Madeira, e um dos maiores escritores brasileiros. Temos também Róbison Benedito Chagas, poeta e contista, autor de Ruídos, um inesquecível livro de hai-kais, e Adilson Reis dos Santos, autor que estreou com Ronda Poética, em 1994. Um pouco antes, em 1992, veio O Espírito do Tempo, de Álvaro Augusto Cunha Rocha. Voltando ainda mais ao passado, encontraremos Procura do Azul (1980), de Thereza Cristina Pusch, um marco em nossa literatura. E, de 1952, Cântico do Século XX, de Adalto Gambassi de Araújo um livro surpreendente. E que dizer de Brasil Pinheiro Machado, tão injustamente esquecido? Pinheiro Machado foi um dos primeiros paranaenses a entender e a manejar a estética modernista, em seu livro Quatro Poemas, de 1928. Impossível também não falar de Anita Philipovsky, autora de Os Poentes da Minha Terra; sobre Anita, há excelentes estudos publicados por Luísa Cristina dos Santos Fontes, que tem feito uma reavaliação crítica da obra da autora”, enumera.
E a estratégia para formar novos leitores? “Quando eu era criança, meu pai lia para mim, à noite, todas as noites. E aquele era um momento esperado, um momento maravilhoso. Lembro que fiquei, desde a mais tenra idade, com uma vontade enorme de aprender a ler, de dominar o mundo maravilhoso e cheio de mistérios que se escondia naquelas manchinhas pretas esparramadas pelas folhas de papel. Penso que a melhor estratégia é a que meu pai adotou: mostrar o prazer que há na leitura”, completa.
 Histórias de família viram publicações
A assessoria de comunicação da Editora Estúdio Texto, Ana Caroline Machado,conta que o destaque entre as publicações, da editora que está em Ponta Grossa desde 2008, tem sido para os livros familiares. “É muito novo no Brasil, de tiragem ainda pequena, que resgata histórias familiares”. Somente este ano foram quase 10 livros neste estilo em Ponta Grossa. Ao todo, desde 2010 a editora já publicou 37 obras, todas de autores regionais e programa mais oito lançamentos ainda este ano. “O mercado está crescendo, as pessoas comuns estão descobrindo que podem escrever livros, os autores locais se descobrindo, e os leitores também começam a ganhar gosto pela leitura quando se tornam os próprios personagens da história”, define. O número da tiragem começa em 50 exemplares e segue até três mil livros.
“Cultura se faz com leitura”
Rodrigo Covolan
UEPG tem acervo de mais de 105 mil livros
 

A Biblioteca da Universidade Estadual de Ponta Grossa conta com acervo de 47 mil títulos, com 105 mil exemplares de livros, além de mais 2,8 mil exemplares de periódicos. Na coleção corrente não constam obras muito antigas. “A finalidade da biblioteca universitária é manter acervo atualizado com edições mais recentes”, define a bibliotecária Maria Luzia Fernandes Bertholino dos Santos. Mesmo assim, entre as obras mais antigas estão Manual d´economie politique, de Braudrillart, de 1857, e   Harmonies economiques, de Frederic Bastiat, de 1860. “Temos livros do século 20, décadas de 20, 30 e 40.
As novas obras são adquiridas por compra, doação e permuta. “A biblioteca tem perfil de atender aos cursos de graduação e pós-graduação o seu acervo concentra-se mais em atender as especificações e necessidades da comunidade universitária com literatura técnico científica, e temos boas coleções de literatura em geral que atende aos cursos de Línguas e formação em Letras  e para a leitura de interessados em romances, poesias e outros gêneros literários. Os últimos exemplares desta semana contemplam áreas de educação física, física, educação, fisiologia vegetal, mecânica quântica, dicionário de filosofia. Então podemos dizer que pela multidisciplinaridade dos diversos cursos a entrada de livros e suas áreas de conhecimento é muito diversificada”, destaca. 
Da comunidade universitária, que envolve mais de 10 mil pessoas, pouco mais de 5,1 mil são usuários que efetivamente realizam empréstimos. Por ano são realizados cerca de 120 mil empréstimos, além de 70 mil consultas, com uma média diária de 311 consultas. “Ou seja, o livro saiu da estante por algum motivo, estudo, pesquisa, leitura, consulta rápida, ou simplesmente retirado por curiosidade”, destaca.
O leitor universitário dedica-se mais à leitura técnico-científica e voltada para sua área de conhecimento ao qual seu curso está vinculado. “Hoje a muldisciplinaridade de informações é muito grande e é muito vasta a quantidade de informação disponível”. No ano passado, o curso que mais realizou empréstimos foi Direito, com 16 mil livros retirados, seguido de Medicina, com 4,89 mil e em terceiro lugar Farmácia com 4,1 mil empréstimos.
A tecnologia tem reduzido a presença física, mas não a freqüência aos estudos. “Muda o formato, mas não muda a essência. Hoje temos muito mais atendimentos virtuais, por e-mail, consulta por telefone, ministramos treinamentos para capacitar alunos a consultar os portais e realizar estratégias de busca, mas ainda a Biblioteca é um espaço muito procurado para estudar.  Observamos muitos alunos que trazem seus notebooks, tablets e usam o ambiente como local de estudo”. E para o futuro, as expectativas são as melhores, pois “nossa expectativa é que cultura se faz com leitura, e essa gera conhecimento”, finaliza.

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