Com lápide discreta e "aviso do além", túmulo de Raul recebe poucas visitas
Marcelo Barreto
Do UOL, em Salvador
Do UOL, em Salvador
Raul Santos Seixas.
"Só isso? Esperava, no mínimo, uma estátua", reclama o eletricista Alex Ferreira, 25, sobre a simplicidade do jazigo de Raul, que morreu no dia 21 de agosto de 1989, vítima de uma parada cardíaca. Ferreira viajou cerca de 556 km, do município de Sobradinho até Salvador, para conhecer o local e fazer uma homenagem ao cantor. "Achei tudo muito simples. O cara [Raul] é quase um Deus para mim. Na próxima vez, vou trazer tinta e pintar uma frase dele, tipo 'não diga que a canção está perdida' ou 'tente outra vez'", brinca.
O agente funerário João Souza, que trabalha no local, diz que a visitação ao túmulo de Raul Seixas acontece ao longo de todo o ano, mas nas datas de nascimento e morte o movimento aumenta. Ele foi testemunha ocular da comoção popular de quando o corpo de Raul Seixas chegou ao local, em 1989. "Nem Mãe Menininha do Gantois [ialorixá famosa da Bahia, enterrada a cerca de 50m dali em 1986] superou a confusão da morte de Raul. Colocamos até cordão de isolamento, foi terrível", lembra.
Segundo a administração do cemitério, este ano não haverá uma programação especial para receber os visitantes nos 25 anos sem Raul. Souza diz que, apesar do burburinho, o lugar não registra mais a movimentação de antigamente, tampouco recebe a visita de parentes do cantor. "Geralmente vinha alguém da família três dias antes [da data da morte], mas com o tempo deixaram de vir. É quase sempre assim".
Raul não quer celebração
Na Bahia, terra natal de Raul Seixas, é notável o esvaziamento de tributos e eventos especiais para o cantor no calendário cultural do Estado nos últimos anos. Segundo Sandra de Cássia, presidente da Associação Cultural Clube do Rock da Bahia, ficou estabelecido extra-oficialmente entre os fãs que eles não participariam mais de celebrações no 21 de agosto.
"Há três anos, antes de morrer, um dos primeiros e grande parceiro de Raul, o baiano Thildo Gama, que também presidia o fã clube estadual, disse ter recebido uma mensagem do além do próprio Raul, pedindo para que não comemorassem mais a data", conta Sandra. Segundo ela, os fãs soteropolitanos costumam comemorar apenas o nascimento, em 28 de junho, instituído desde 1998 como o Dia Municipal do Rock.
A Prefeitura de Salvador e o Governo do Estado também não preparam programações para a passagem da data este ano. Para o guitarrista Carlos Eládio, integrante d'Os Panteras, marco inicial da carreira de Seixas, "a terra natal nunca honrou sua memória". "A Bahia sempre foi muito ingrata com o trabalho de Raul e com tantos outros artistas locais. O Brasil reconhece, mas infelizmente a Bahia esquece de seu patrimônio cultural. Se São Paulo é o túmulo do samba, estamos nos tornando o túmulo do rock", lamenta.
Quem compartilha da ideia é o músico Marcos Clement, líder da banda Arapuka, que faz versões de músicas de Raul Seixas. "Já colocamos trio elétrico na rua tocando só Raul, por conta própria, sem ajuda alguma do poder público. É difícil convencer os políticos do real valor do artista".
A respeito da adesão dos fãs baianos no boicote à data, ele diz respeitar, mas duvida que Raul compactuaria com a ideia se estivesse vivo. "Apesar de não ter sido religioso, Raul sempre teve uma relação bem resolvida com a morte. Prova disso são as letras de 'O Trem das Sete' e de 'Canto para Minha Morte'", ele diz, referindo-se a versos como "vou te encontrar vestida de cetim, pois em qualquer lugar esperas só por mim, e no teu beijo provar o gosto estranho que eu quero e não desejo, mas tenho que encontrar".
Reverenciado pela indústria
Passado um quarto de século de sua morte, Raul Seixas continua sendo um dos artistas mais reverenciados pela indústria fonográfica. Dois filmes, dezenas de discos, peças de teatro e 32 livros já foram publicados sobre a vida do cantor. Além de lançamentos revisitados, o show "O Baú do Raul", que deu origem a um disco em 2007, ganhou uma nova edição em homenagem aos 25 anos da morte do músico. O registro será lançado em CD e DVD pela Som Livre, ainda este ano.
Fundador e presidente do Raul Rock Club, fã-clube oficial que teve como sócio o próprio cantor, o músico Sylvio Passos se diz "guardião" da história do roqueiro, de quem foi amigo pessoal. Ele guarda em sua casa, em São Paulo, raridades que vão desde cartas e postais trocados entre os pais de Raul antes de ele nascer até a bandeira que cobriu o caixão do músico. A ideia é reunir e catalogar todo o material para fundar o Memorial Raul Seixas. O projeto é antigo, mas enfrenta o entrave da falta de recursos para ser implementado.
Passos também é responsável, junto à gravadora Eldorado, pela produção de três dos seis discos que integram um box especial "25 Anos sem o Maluco Beleza - Toca Raul", a ser lançado no dia 29 de agosto. Dos álbuns relançados, dois são inéditos e também devem sair em vinil: "Eu Não Sou Hippie" (1974), gravado ao vivo em Patrocínio (MG), e "Isso Aqui Não É Woodstock, Mas Um Dia Pode Ser" (1981), gravado no 2º Festival de Águas Claras, em Iacanga (SP).
Em cartaz nos cinemas desde 14 de agosto, o longa "Não Pare na Pista: A Melhor História de Paulo Coelho" registra o encontro entre Raul e o escritor, parceiro de grandes sucessos. O ator baiano Lucci Ferreira rouba a cena ao interpretar um Raul Seixas sarcástico e carregado de trejeitos.
O ano de 2014 também marca os 40 anos do lançamento do álbum "Gitá", que trouxe sucessos como "Medo da Chuva" e "Sociedade Alternativa". A gravadora Universal também aproveitou a data para reeditar o box "10.000 Anos à Frente", que traz toda a produção que o cantor deixou na antiga gravadora Philips. Uma biografia considerada definitiva sobre Raul, escrita pelo jornalista Edmundo Leite, deve ser lançada ainda este ano.
Uma lápide simples e sem inscrições no Jardim da Saudade, tradicional
cemitério de Salvador, chama a atenção pela intensa movimentação ao
redor. Ao contrário de suntuosos mausoléus, a cova 1647-A da quadra 1
tem apenas uma pequena placa de mármore, que já foi roubada três vezes e
agora está concretada. É ali onde está enterrado, há exatos 25 anos, "Só isso? Esperava, no mínimo, uma estátua", reclama o eletricista Alex Ferreira, 25, sobre a simplicidade do jazigo de Raul, que morreu no dia 21 de agosto de 1989, vítima de uma parada cardíaca. Ferreira viajou cerca de 556 km, do município de Sobradinho até Salvador, para conhecer o local e fazer uma homenagem ao cantor. "Achei tudo muito simples. O cara [Raul] é quase um Deus para mim. Na próxima vez, vou trazer tinta e pintar uma frase dele, tipo 'não diga que a canção está perdida' ou 'tente outra vez'", brinca.
O agente funerário João Souza, que trabalha no local, diz que a visitação ao túmulo de Raul Seixas acontece ao longo de todo o ano, mas nas datas de nascimento e morte o movimento aumenta. Ele foi testemunha ocular da comoção popular de quando o corpo de Raul Seixas chegou ao local, em 1989. "Nem Mãe Menininha do Gantois [ialorixá famosa da Bahia, enterrada a cerca de 50m dali em 1986] superou a confusão da morte de Raul. Colocamos até cordão de isolamento, foi terrível", lembra.
Segundo a administração do cemitério, este ano não haverá uma programação especial para receber os visitantes nos 25 anos sem Raul. Souza diz que, apesar do burburinho, o lugar não registra mais a movimentação de antigamente, tampouco recebe a visita de parentes do cantor. "Geralmente vinha alguém da família três dias antes [da data da morte], mas com o tempo deixaram de vir. É quase sempre assim".
Raul não quer celebração
Na Bahia, terra natal de Raul Seixas, é notável o esvaziamento de tributos e eventos especiais para o cantor no calendário cultural do Estado nos últimos anos. Segundo Sandra de Cássia, presidente da Associação Cultural Clube do Rock da Bahia, ficou estabelecido extra-oficialmente entre os fãs que eles não participariam mais de celebrações no 21 de agosto.
"Há três anos, antes de morrer, um dos primeiros e grande parceiro de Raul, o baiano Thildo Gama, que também presidia o fã clube estadual, disse ter recebido uma mensagem do além do próprio Raul, pedindo para que não comemorassem mais a data", conta Sandra. Segundo ela, os fãs soteropolitanos costumam comemorar apenas o nascimento, em 28 de junho, instituído desde 1998 como o Dia Municipal do Rock.
A Prefeitura de Salvador e o Governo do Estado também não preparam programações para a passagem da data este ano. Para o guitarrista Carlos Eládio, integrante d'Os Panteras, marco inicial da carreira de Seixas, "a terra natal nunca honrou sua memória". "A Bahia sempre foi muito ingrata com o trabalho de Raul e com tantos outros artistas locais. O Brasil reconhece, mas infelizmente a Bahia esquece de seu patrimônio cultural. Se São Paulo é o túmulo do samba, estamos nos tornando o túmulo do rock", lamenta.
Quem compartilha da ideia é o músico Marcos Clement, líder da banda Arapuka, que faz versões de músicas de Raul Seixas. "Já colocamos trio elétrico na rua tocando só Raul, por conta própria, sem ajuda alguma do poder público. É difícil convencer os políticos do real valor do artista".
A respeito da adesão dos fãs baianos no boicote à data, ele diz respeitar, mas duvida que Raul compactuaria com a ideia se estivesse vivo. "Apesar de não ter sido religioso, Raul sempre teve uma relação bem resolvida com a morte. Prova disso são as letras de 'O Trem das Sete' e de 'Canto para Minha Morte'", ele diz, referindo-se a versos como "vou te encontrar vestida de cetim, pois em qualquer lugar esperas só por mim, e no teu beijo provar o gosto estranho que eu quero e não desejo, mas tenho que encontrar".
Reverenciado pela indústria
Passado um quarto de século de sua morte, Raul Seixas continua sendo um dos artistas mais reverenciados pela indústria fonográfica. Dois filmes, dezenas de discos, peças de teatro e 32 livros já foram publicados sobre a vida do cantor. Além de lançamentos revisitados, o show "O Baú do Raul", que deu origem a um disco em 2007, ganhou uma nova edição em homenagem aos 25 anos da morte do músico. O registro será lançado em CD e DVD pela Som Livre, ainda este ano.
Fundador e presidente do Raul Rock Club, fã-clube oficial que teve como sócio o próprio cantor, o músico Sylvio Passos se diz "guardião" da história do roqueiro, de quem foi amigo pessoal. Ele guarda em sua casa, em São Paulo, raridades que vão desde cartas e postais trocados entre os pais de Raul antes de ele nascer até a bandeira que cobriu o caixão do músico. A ideia é reunir e catalogar todo o material para fundar o Memorial Raul Seixas. O projeto é antigo, mas enfrenta o entrave da falta de recursos para ser implementado.
Passos também é responsável, junto à gravadora Eldorado, pela produção de três dos seis discos que integram um box especial "25 Anos sem o Maluco Beleza - Toca Raul", a ser lançado no dia 29 de agosto. Dos álbuns relançados, dois são inéditos e também devem sair em vinil: "Eu Não Sou Hippie" (1974), gravado ao vivo em Patrocínio (MG), e "Isso Aqui Não É Woodstock, Mas Um Dia Pode Ser" (1981), gravado no 2º Festival de Águas Claras, em Iacanga (SP).
Em cartaz nos cinemas desde 14 de agosto, o longa "Não Pare na Pista: A Melhor História de Paulo Coelho" registra o encontro entre Raul e o escritor, parceiro de grandes sucessos. O ator baiano Lucci Ferreira rouba a cena ao interpretar um Raul Seixas sarcástico e carregado de trejeitos.
O ano de 2014 também marca os 40 anos do lançamento do álbum "Gitá", que trouxe sucessos como "Medo da Chuva" e "Sociedade Alternativa". A gravadora Universal também aproveitou a data para reeditar o box "10.000 Anos à Frente", que traz toda a produção que o cantor deixou na antiga gravadora Philips. Uma biografia considerada definitiva sobre Raul, escrita pelo jornalista Edmundo Leite, deve ser lançada ainda este ano.
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