sábado, 19 de maio de 2012

JORNAL DO BRASIL -ENTENDEMOS QUE O EDITORIAL É SÉRIO E PREOCUPANTE. COMO VIVERÄO NOSSOS FILHOS DAQUI 20/30 ANOS.????


A Social-Democracia Brasileira: seu momento de definição  


Jornal do BrasilCláudio Frischtak* 

A economia brasileira nas duas últimas décadas sofreu uma grande transformação e, ao longo de um processo gradativo, atingiu uma combinação de estabilidade macroeconômica, redução da desigualdade e da pobreza, acompanhada de uma expansão do consumo nas camadas tradicionalmente mais afastadas do mercado. Pela primeira vez na história o Brasil se tornou um país de classe média com a incorporação de cerca de 60 milhões de pessoas nesse extrato desde 1993, que em 2011 perfazia cerca de 55% da população. Uma combinação de forte dinamismo do mercado de trabalho diferencialmente voltado para a base da pirâmide e transferências previdenciárias e de assistência social da ordem de 15% do PIB, além de um rápido crescimento do crédito, resultaram em uma expansão sustentada do consumo a um ritmo muito superior ao crescimento da própria economia. Essa, em essência, é a social-democracia brasileira.
Essa bonança não irá durar para sempre. Os limites do modelo já estão sendo testados.
- A economia gerou ganhos de renda significativos na base da pirâmide, com o mercado de trabalho incorporando trabalhadores menos experientes e qualificados. A pressão de custos transbordou para os preços dos bens e serviços não transacionáveis, e vem minando inexoravelmente a competitividade da economia.
- Há uma dissonância crescente entre o consumo de bens individuais e a produção (e consumo) de bens coletivos, de elevada externalidades – infraestrutura física e social, inclusive a geração e disseminação do conhecimento. O investimento e a produção desses bens são essenciais para assegurar ganhos de produtividade no médio e longo prazo, que irá sustentar o crescimento da economia brasileira
- Ao mesmo tempo, o dinamismo do mercado doméstico não está assegurado para os próximos anos, porque a “nova classe média” depende da renda de trabalho (e transferências) para fazer face aos compromissos de um endividamento crescente, não tendo tipicamente ativos para se desfazer e saldar dívidas. Na desaceleração da economia os índices de inadimplência rapidamente se elevam, e a espiral virtuosa se transmuta em viciosa.
- Nesse sentido a produção de bens coletivos terá uma dupla função: pelo lado da oferta, impulsionar a produtividade e a competitividade da economia; pelo lado da demanda, progressivamente deslocar o consumo de bens individuais à medida que se esgota a capacidade das novas camadas de expandir o de forma acelerada consumo, e com base na expansão do crédito.
- Os recursos para a produção desses bens no setor público não estão assegurados. Irá depender de um novo padrão de gastos, voltados à racionalização e maior eficácia nos dispêndios correntes e principalmente uma visão de prioridades distinta, visando o bem-estar futuro, investindo nas novas gerações, criando o suporte para o consumo de serviços de infraestrutura física e social de qualidade e valor agregado.
- Igualmente no setor privado os recursos não estão assegurados. Tanto em termos domésticos quanto internacionalmente, há um volume significativo de recursos que podem ser mobilizados. A experiência brasileira é razoavelmente clara a esse respeito: o volume e a qualidade dos recursos dependem da estabilidade e transparência das regras, da percepção de razoabilidade e equidade de tratamento, e de um ambiente regulatório que dê visibilidade à trajetória de expansão dos setores (principalmente no caso da infraestrutura física).
Assim, o investimento na produção de bens coletivos irá necessitar de ações em duas frentes distintas, ambas relacionadas a uma Agenda de Reformado Estado.
- Primeiro, uma realocação dos gastos do setor público, com a gradativa redução (em termos relativos) das transferências previdenciárias e sociais, e a proteção dos programas mais bem focalizados, a exemplo do programa Bolsa Família. Não há como criar espaço fiscal aumentando os tributos. Neste contexto é imprescindível a mudança de políticas e regras – a exemplo do salário mínimo deixar de ser o indexador das despesas previdenciárias.
- Numa segunda frente, é crítico reforçar a capacidade do Estado de planejamento, regulação, fiscalização, monitoramento e execução de serviços, de modo que os recursos poupados sejam direcionados com eficácia para expandir os investimentos em bens coletivos – infraestrutura física e social – e melhorar a capacidade organizacional da prestação pública de serviços de qualidade.
- A Agenda de Reforma é a base do Mapa da Produtividade, um conjunto articulado de ações tendo por foco o capital humano, como eixo a educação, e como resultado a disseminação e absorção de conhecimento em todos os níveis. Não há como sustentar a melhoria do bem estar da população com uma escola publica de má qualidade, incompatível com as demandas da uma economia competitiva. A menos que a educação seja a maior prioridade do governo – com todas as consequências que daí advém – o país continuará a progredir a passos lentos no que é mais essencial.
Finalmente, não há efetiva absorção de conhecimento sem sua concomitante produção. Neste sentido, o país realizou progressos no âmbito científico, porém mais modestos no plano da inovação. Há necessidade de se definir projetos transformadores, capazes de mobilizar recursos - instituições, empresas, indivíduos – e gerar inovações em torno de temas centrais para a nova economia. Seu crescimento virtuoso irá depender de inovações portadoras de futuro: no plano produtivo, que garantam a uma economia calcada nos recursos naturais uma trajetória de sustentabilidade; e no âmbito da sociedade, inovações sociais que possibilitarão a emergência de uma escola pública de qualidade.
Em síntese, a atualização do modelo econômico vigente requer uma reorientação de prioridades (e consequentemente dos gastos do governo), reduzindo a ênfase nas transferências e voltando os recursos para a produção dos bens coletivos que darão permanência aos ganhos de bem estar da população. Uma economia mais produtiva e uma sociedade mais igual, alicerçadas numa revolução educacional e em investimentos na infraestrutura física, serão a base de um novo modelo. Este é o momento de definição da social-democracia brasileira.
* Cláudio Frischtak é presidente da Inter. B - Consultoria Internacional de Negócios 

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