segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

THE NEW YORK TIMES - Favelas lucram com a Copa

Mauricio Lima/The New York Times
Mauricio Lima/The New York Times / O boom para abrigar turistas para a Copa do Mundo chegou às favelas do Rio de Janeiro. Visitantes estrangeiros; à esquerda, eles desfrutam da visãoO boom para abrigar turistas para a Copa do Mundo chegou às favelas do Rio de Janeiro. Visitantes estrangeiros; à esquerda, eles desfrutam da visãoCopa 2014

Favelas lucram com a Copa


30/12/2013 | 00:01 | SIMON ROMERO
Batalhas com armas ainda ecoam nas ruas. Traficantes de drogas ainda fazem transações no labirinto de vielas. Moradores da comunidade da Rocinha ainda explodem de raiva com as táticas brutais da polícia, pouco tempo atrás acusada de torturar e matar um pedreiro pobre.
Entretanto, com a oferta de quartos de hotéis perigosamente baixa e até mesmo hospedarias modestas no Rio de Janeiro cobrando até US$ 450 por uma cama durante a Copa do Mundo no Brasil no ano que vem, os residentes da Rocinha e de outras favelas estão tirando o máximo proveito da escassez crônica de acomodações para o evento, partindo para o aluguel de suas casas para torcedores do mundo inteiro.
Mauricio Lima /The New York Times
Mauricio Lima /The New York Times / A hospedagem é uma barganha nas favelas. Isom Hightower, de São Francisco, na cama de baixo, paga US$ 11 o pernoiteAmpliar imagem
A hospedagem é uma barganha nas favelas. Isom Hightower, de São Francisco, na cama de baixo, paga US$ 11 o pernoite
Maria Clara dos Santos, 49 anos, está se preparando para aceitar até dez visitantes da Copa do Mundo em sua casa de três dormitórios na Rocinha, com vista para as praias ensolaradas de Ipanema ao longe. Como ela reconhece, é verdade que esgoto não tratado corre a céu aberto em sua rua e que barras de aço se fazem necessárias nas janelas para evitar invasões; assim a moradora oferece aos convidados uma pechincha: US$ 50 por noite.
“Nós podemos dar um nível de calor humano e autenticidade que os lugares lá de baixo não oferecem”, ela disse, refletindo a popularidade crescente das favelas por causa da vibrante cena musical, preços mais baixos e a falta de pretensão.
Abrigar turistas nas favelas do Rio pode se tornar um dos aspectos mais suaves dos preparativos para a Copa do Mundo, evento que tem sido mais uma fonte de controvérsia no Brasil do que uma conquista coroando sua pressão por aclamação global.
Estouros de orçamento gigantescos, atrasos e acidentes fatais com operários maltratam os estádios em construção. “Existe uma ausência real de estruturas de governança robustas por aqui para lidar com um evento deste tamanho, assim as coisas começam a quebrar e as pessoas, a morrer”, afirmou Christopher Gaffney, professor da Universidade Federal Fluminense.
As autoridades brasileiras esperam que o país receba até 600 mil turistas estrangeiros no mês da Copa do Mundo, que começa em junho e será realizada em 12 cidades. Aqui no Rio, que sediará a final, os hotéis estão babando com a perspectiva desse influxo.
Um motivo: a cidade tem somente 55.400 camas na rede hoteleira para os 300 mil visitantes esperados, gerando a alta das diárias para aproximadamente US$ 460, quase o dobro do valor normal, segundo relatório da agência estatal de turismo do Brasil.
Alfredo Lopes, presidente da divisão do Rio de Janeiro da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis, disse que o aumento nos preços era esperado. “A imagem do Rio está sendo exaltada ao redor do mundo nesta época”, ele disse. “Seria um absurdo tentar regular o preço dos hotéis quando existem pessoas preparadas para pagar o que o mercado determina ser o preço correto.”
Lopes comparou o Rio às marcas de luxo. “Algumas pessoas estão prontas para pagar o triplo do preço por uma Harley-Davidson em vez de outra motocicleta, e existe motivo para isso. O mesmo acontece com o Rio de Janeiro.”
Não faz mal que o Estado do Rio de Janeiro esteja enfrentando uma nova onda de crimes, exemplificada pelo crescimento dos homicídios pela cidade, com a morte de um turista alemão de 25 anos na Rocinha e uma série de assaltos nas praias.
Para quem não puder bancar os bairros mais glamorosos do Rio, ou para quem simplesmente não quer pagar os valores já altos dos hotéis cariocas, as acomodações nas favelas surgem como opção atraente.
“Eu queria conhecer o coração do Brasil, e não sua fachada”, afirmou Isom Hightower, 30 anos, consultor de aviação de São Francisco que está pagando perto de US$ 11 a noite no beliche de uma hospedaria na Rocinha.
Depois de largar o emprego para viajar ao Brasil, Hightower encontrou hospedagem por meio do Favela Experience, empresa novata criada por Elliot Rosenberg, californiano de 23 anos, que promete “acomodações a preços acessíveis para a Copa do Mundo” nas favelas da cidade. Durante o torneio, o valor para uma cama de beliche na mesma casa pode subir para quase US$ 50 a diária.
Tais hospedarias estão crescendo, ajudadas em parte pela campanha por vezes polarizada levada a cabo pelo Estado para assumir o controle de dezenas das favelas do Rio enviando tropas do exército e força policiais, processo geralmente chamado de “pacificação”.
Porém, persistem os grandes desafios de segurança, como os abusos da polícia revelados há pouco tempo na Rocinha, mas o padrão de vida subiu em algumas comunidades com a economia mais forte do Brasil ao longo da última década. Serviços básicos como clínicas de saúde pública e sistemas de transporte por teleférico foram introduzidos e a taxa de homicídio vem caindo abruptamente em algumas áreas. A iniciativa também abriu novas regiões da cidade ao turismo, e algumas favelas assumiram um fascínio chique, servindo como cenário para sessões de fotos de moda e filmagem de vídeos.
Bob Nadkarni, pintor britânico de 70 anos que se mudou para cá há mais de três décadas, ajudou a divulgar o conceito de pensão na favela com The Maze, um labirinto (como diz o nome em inglês) em Tavares Bastos, favela nos arredores do antigo palácio presidencial. Quartos particulares durante a Copa do Mundo têm diária de US$ 220.
Outro frenesi imobiliário atacou neste ano em outra favela no morro, o Vidigal, com vista para a praia exclusiva do Leblon. Com investidores comprando propriedades, casas básicas de um dormitório podem custar US$ 75 mil ou mais, refletindo as guerras de preços enquanto hotéis buscam fincar o pé nas favelas.
“Acho que será quase como um vilarejo mediterrâneo daqui a dez anos”, afirmou Cello Macedo, investidor de São Paulo. Ele comprou uma casa no Vidigal e a está transformando numa hospedaria chique, apostando as fichas no panorama festivo que já está em crescimento na favela, atraindo viajantes boêmios da Europa e dos Estados Unidos.
Vinicius Lummertz, secretário nacional de políticas de turismo, afirmou que a hospedagem em favelas, quer em pensões, hotéis chiques ou em quartos nas casas das famílias, seria bem-vinda para reforçar as opções dos viajantes. Na verdade, ele pintou um cenário relativamente róseo da capacidade carioca de receber grandes números de visitantes durante a Copa do Mundo.
“O preços dos locais de hospedagem podem saltar antes do torneio, mas também podem cair quando as pessoas avaliarem todas as opções”, afirmou Lummertz. Segundo ele, o Ministério do Turismo havia compilado aproximadamente 150 mil lugares disponíveis onde ficar no Rio e em cidades litorâneas próximas, incluindo albergues, casas particulares e até mesmo motéis.
Na verdade, esses estabelecimentos onde os clientes podem optar por encontros amorosos ou pernoites, vão competir com as hospedarias nas favelas. Dos 80 quartos do Motel Villa Regia, situado no porto do Rio, 51 já foram convertidos no que parecem ser quartos comuns de hotel, com a remoção dos espelhos no teto, banheiras de hidromassagem e vitrines iluminadas vendendo camisinhas e salgadinhos.

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