quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

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"Achei que teria menos medo", diz Ana Paula Padrão

A jornalista produziu uma grande reportagem sobre o vírus letal que será exibida pela Band nessa quinta-feira, dia 4
"Estigmatizar por causa de um vírus é injusto, é cruel e não resolve o problema", declara Ana Paula PadrãoMarina Caminada/Band Nessa quinta-feira, dia 4, a Band exibe às 22h45 a grande reportagem "Ebola – Ana Paula Padrão na África no meio da guerra contra o vírus mortal". A jornalista passou cinco dias no continente mais afetado pela doença e conta sobre sua experiência.

Não é um processo tão simples realizar uma matéria desse porte e Ana Paula explica melhor sobre os processos que antecedem as gravações. "Eu gasto bastante tempo na pré-produção para ter certeza que eu vou chegar com o risco controlado e foi o que eu fiz dessa vez. Eu decidi que eu só iria se eu tivesse a certeza de estar acompanhada de uma pessoa experiente o tempo inteiro", conta.

"Eu acho que em toda matéria, principalmente quando envolve algum tipo de risco, seja uma catástrofe climática, seja porque é uma zona de guerra, ou como nesse caso que é uma doença letal, você tem que fazer uma pré-produção muito bem feita", complementa.

Portanto, tudo começou ainda no Brasil. "Antes de sair daqui, eu fiz contato com o Médicos Sem Fronteiras. No caso da Guiné, há três centros de tratamento para Ebola, os três foram montados e são administrados pelo Médicos Sem Fronteiras, nenhum hospital público de lá atende casos da doença".

Além de ajudarem na prevenção, os profissionais também são responsáveis pelos visitantes. "Para você entrar em um centro de tratamento, precisa não só da autorização deles como precisa entrar acompanhado por eles. Eu entrei em contato com eles daqui antes [da viagem] e passei um mês discutindo a possibilidade de ir", relembra.

"Outra organização que eu entrei em contato, que é responsável pelo deslocamento dos corpos e das vítimas do Ebola, foi a Federação Internacional da Cruz Vermelha". Ana Paula diz que só propôs a matéria para a Band quando conseguiu combinar tudo com os grupos envolvidos.

"Só depois que eu também recebi o sinal verde para ser acompanhada por eles, para fazer a remoção dos corpos, a higienização, o procedimento de colocar no saco plástico e os enterros, é que eu fui", afirma.

A hospedagem foi outro ponto importante para o planejamento e fez parte de uma das bases da viagem. "Também entrei em contato com a embaixada brasileira em Conacri, a capital da Guiné. Acabei sendo convidada para ficar com o ministro conselheiro, na residência da embaixada e a gente achou que era melhor do que ficar em um hotel".

"Por mais que os hoteis estejam, obviamente, tomando um super cuidado, a gente não conhece o staff todo. Na residência da embaixada, seria um risco mais baixo para a equipe ", explica.

As organizações possibilitaram a viagem. "Tudo que eu fiz, fiz com essas três frentes. Nós não ficamos sozinhos em momento nenhum, o que facilitou muito o trabalho e reduziu muito o risco que a gente correria lá".

Cuidados com o Ebola

Entre as precauções que se deve tomar em uma área de risco, o principal é evitar os cadáveres. "Eu não queria ter contato direto com os corpos das vítimas porque o momento de maior contaminação se dá exatamente na hora que a pessoa morre, naquele momento o vírus tomou o corpo inteiro e qualquer fluído do corpo é altamente contagioso".

No entanto, basta seguir os costumes básicos e não existe tanto perigo. "Depois eu entendi exatamente o que tinha que fazer para evitar esse tipo de situação e me acostumei com procedimento de ficar o tempo todo me desinfetando, lavando a mão com cloro, o álcool gel no carro, o tempo inteiro".

"Depois que você se acostuma com isso, você fica um pouco menos tensa. Não muito, mas um pouco menos tensa", diz aos risos. "O vírus simplesmente não sobrevive. Ainda que você toque [em alguém ou algo contaminado], se você não levar a mão a uma mucosa, a boca, o nariz ou o olho, você não se contamina", afirma.

Além disso, a preocupação com a doença também veio na hora de se alimentar. "Eu basicamente não comi. A gente ou comia na residência da embaixada ou em um restaurante perto da embaixada, que é um setor onde tem outras embaixadas e que não fica muito longe do hospital onde está montado o centro de tratamento do Médicos Sem Fronteira. Esse restaurante é onde basicamente a comissão internacional inteira comia."

E sabe o que salvou a pátria? "Eu só comia pizza. Acho que essa viagem é a primeira que eu engordei, porque comi pizza durante cinco dias seguidos. Farinha, água, sal e queijo não tem muito risco, né? Eu voltei muito abatida, mas acho que engordei um pouquinho de tanta pizza", conta, levando o assunto da comida com bom humor.

A jornalista ainda teve muito cuidado com sua equipe. "Fiquei o tempo inteiro olhando o Victor Isasmend, que é o cinegrafista. Eu ficava com medo dele se distrair e não se cuidar, porque ele está o tempo todo olhando pela a câmera, né? Enfim, fiquei com mais medo do que achei que ia ficar", confessa.

O emocional

Esse tipo de matéria que envolve tantas mortes tem um caráter emocional muito forte, mas a apresentadora conta que tem o jeito próprio de lidar com as situação. "Eu só faço porque é o meu perfil. Eu consigo durante as reportagens manter um lado mais racional. Quando eu estou em uma situação desse tipo, eu travo a emoção".

Mas, ela confessa que quando tudo termina, a emoção domina. "Consigo chorar e me emocionar só na volta. Dessa vez, assim que eu entrei no avião em Conacri - a gente fez uma escala na Mauritânia, outra em Paris para poder voltar - acho que eu chorei a viagem inteira. Choro muito sempre nas voltas, que é a hora que eu destravo, que eu relaxo".

Essa característica chega a ser até um tipo de defesa. "Eu fico o tempo inteiro em um estado de tensão, para poder tomar decisões rápidas, não tomar decisões erradas. Então, eu não sou uma pessoa que em geral chora durante as reportagens, eu travo para conseguir fazer o que eu tenho que fazer".

Após o Ebola

Quem conseguiu se curar do Ebola sofre ainda mais com a exclusão, pelo medo da contaminação. E o estigma não é só para quem tem alta, mas para as famílias que tiveram um caso ali entre eles.

"Eles contam muito do estigma. Para a gente não, porque a gente sabe que saiu, teve alta, está bem. Durante três meses, no caso dos homens, eles não podem manter relações sexuais porque ainda ficam vestígios do vírus no sêmen e no caso das mulheres que estejam amamentando, elas não podem amamentar porque fica vestígios do Ebola no leite. Mas é a única restrição para eles depois que têm alta", explica.

Apesar de serem apenas 40% dos casos de Ebola, os sobreviventes conversaram com ela. "Não são muitos, mas a gente conversou com dois deles, um homem e uma mulher. Ambos estavam bem, mas ela não conseguiu voltar para a vila dela no interior porque achava que ia sofrer muito preconceito e é vonluntária hoje, trabalha com o Médicos Sem Fronteiras", fala sobre a superação da vítima.

Já o homem curado, ainda esperava pelos familiares no local. "Ele ainda estava na porta do hospital esperando. Era uma família de oito pessoas, três morreram, dois tiveram alta e um deles estava com a mulher e o filho ainda internados. Provavelmente iam se recuperar, mas ele ainda estava na porta do hospital esperando", lamenta.

Muçulmanos

A religião do local também tem sua grande influência tanto para a contaminação quanto para o sofrimento de quem perde seus entes queridos. "A população é majoritariamente muçulmana e nos rituais fúnebres inclui lavar o corpo. É justamente quando você lava o corpo que você se contamina", explica.

"Quem já sabe disso e topa entregar o corpo para a Cruz Vermelha enterrar, fica com muita vergonha. É um ritual religioso que eles deixam de cumprir e é uma vergonha para a família. Então, eles não vão aos enterros, eles não vão ao cemitério, a pessoa é enterrada sozinha. Eu acompanhei muitos desses enterros, é muito triste", complementa.

Para ela, foi uma das partes mais difíceis de assistir durante sua jornada. "Eles ficam naqueles sacos plásticos lacrados, são jogados em uma cova, terra em cima e acabou. E é cova sendo aberta o tempo inteiro, tem até covas recicladas. Essa parte é muito, muito triste, muito dolorosa", confessa.

Os moradores de Conacri

Para Ana Paula Padrão, o que mais marcou foi o preconceito que todos os habitantes do local estão sofrendo pela doença. Ela relata que a chegada de sua equipe foi um evento e acabou gerando um momento marcante na viagem.

"Eu achei que eu ia ter menos medo. A gente chegou no sábado a noite e no domingo de manhã a gente foi para um mercado de rua grande. Claro que a gente chama muita atenção, ocidentais, brancos, com uma câmera, teve muita aglomeração", começa.

"Eles ficaram um pouco agressivos, juntou gente em volta. Você fica o tempo todo ouvindo 'cuidado com o contato', 'cuidado com o contato', então foi uma hora que me deu um pouco de medo", relembra.

No entanto, isso é uma reação ao tratamento que eles têm recebido do resto do país e do mundo. "A população está se sentindo muito mal, eles se sentem muito vítimas de preconceito, eles se sentem muito estigmatizados e de fato, eles têm razão. Não é uma doença que seja de contágio tão fácil. Acho que por causa do grau de letalidade que é mais de 60%, tem um estigma muito grande contra eles".

Até quem não está contaminado, sofre com a rejeição. "A gente falou por exemplo com o grupo de futebol mais tradicional da Guiné, que inclusive é treinado por um brasileiro. Vai ter agora a liga dos clubes da África e não queriam que eles fossem e eles não tem nada com isso".

O objetivo principal da matéria é ir contra o preconceito e contra o estigma. "Não é essa população. Só tem uma doença endêmica porque o sistema de saúde público é totalmente falido, porque a cultura envolve rituais religiosos que ajudam na propagação do vírus. Mas, você estigmatizar por causa de um vírus é injusto, é cruel e não resolve o problema", declara.

Além disso, Ana quis honrar sua profissão: "Muitos dos meus amigos me disseram: 'você é louca?'. E eu disse 'não, eu sou jornalista e eu vou lá com todos cuidados. Eu não sou mártir, não vou lá me infectar e nem trazer doença para ninguém. Eu vou cobrir e por favor, vejam a matéria e vocês vão perceber que nem é tão fácil assim o contágio'".

"Mas, existe tanto preconceito que as pessoas falam a palavra Ebola e já ficam arrepiadas. E não é assim, a gente tem que entender o que acontece no nosso mundo, para se proteger e para não causar mal a ninguém, não estigmatizar ninguém", conclui.

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