Divulgação
A transformação de Gandhi em mito
Biografia do jornalista norte-americano Joseph Lelyveld mostra
a construção do líder indiano, mas também aponta seus fracassos e
ambiguidades
Publicado em 02/09/2012 | Isadora Rupp
A data era 23 de maio de 1893, quando Mohandas Gandhi desembarcou na África do Sul como um assistente jurídico de 23 anos, vindo de Bombaim. Sua missão era prestar assistência em um julgamento, atuando como intérprete. O turbante preto achatado que usava junto com o traje social, algo comum na sua região natal, incomodou o juiz, que considerou o adereço um desrespeito, e ordenou que o retirasse. Ao invés de obedecer, o jovem saiu subitamente do local, bastante ofendido. Isso ocorreu duas semanas antes de ele sofrer um insulto racial chocante em um trem, quando se negou a viajar do lado de fora para dar lugar a um funcionário branco da companhia, que o agrediu. O ato fez com que passageiros brancos intercedessem a favor do jovem Mohandas, que havia levado seu instinto de resistência para o país.
Livro
Mahatma Gandhi – E Sua Luta com a ÍndiaJoseph Lelyveld. Tradução de Donaldson M. Garschagen. Companhia das Letras, 472 pág. R$ 48.
O combate ao sistema de castas existente em seu país foi outra bandeira, drama que precisou, inclusive, combater dentro de sua própria casa. O biógrafo conta, por exemplo, um episódio envolvendo a mulher do líder, que havia se recusado a limpar o urinol de um empregado, e foi obrigada por Gandhi a fazê-lo, mesmo aos prantos. Esses detalhes extremamente pessoais acabam sendo decisivos, e também contribuem para dar fôlego à biografia, fruto de uma pesquisa exaustiva de Lelyveld na África do Sul e na Índia. O jornalista também não deixa de fora os fracassos de Gandhi, nem poupa análises sobre sua personalidade excêntrica.
Bissexual
Um ponto polêmico do livro que, inclusive, ocasionou a proibição da comercialização em algumas regiões da Índia (porém, liberada rapidamente, e com vendas recorde) foi como o biógrafo levantou a hipótese de Gandhi ser bissexual, por conta de sua amizade com o arquiteto Hermann Kallenbach (1871-1945), que foi um de seus primeiros seguidores. Entretanto, o fato foi colocado por Lelyveld com bastante cautela. Nas poucas páginas em que dedica ao relacionamento dos dois, o autor cita trechos de cartas trocadas entre eles, como uma em que Gandhi diz ao amigo: “seu lugar é na Índia. Digo isso independentemente de morarmos juntos ou não.” Gandhi foi casado, pai de quatro filhos, mas pregou a abstinência sexual. Deixou até de beber leite de vaca, por conta dos supostos poderes afrodisíacos que a bebida teria, atitude que contribuiu para debilitar ainda mais a sua frágil saúde.
Deixando de lado a infância do líder, o autor, mesmo claramente envolvido pela vida e figura de Gandhi, conseguiu fazer uma análise crítica e perspicaz sobre o homem cujos ideais foram centrais no século 20. GGG
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